domingo, 21 de outubro de 2012

A SEGURIDADE SOCIAL E O SUPOSTO DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO (ARTIGO)


FONTE: GAZETA DO POVO - JUSTIÇA & DIREITO
19/10/2012 | 00:12 | FLORIANO JOSÉ MARTINS, VICE-PRESIDENTE EXECUTIVO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE AUDITORES-FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL

A nova Constituição nascida em 1988 produziu grandes avanços no campo social. Entre eles, o da seguridade social. Seu conceito: “um conjunto de ações destinadas a assegurar direitos relativos à saúde, previdência e assistência social”, com princípios de identificação com a cidadania, uniformidade, equidade e universalidade, e, além disso, orçamento próprio – principal instrumento de efetivação desses direitos, com pluralidade de fontes de financiamento e programações de despesas dos órgãos responsáveis pela prestação dessas funções públicas.
Daí o financiamento dessas ações ser definido como um encargo da sociedade em seu conjunto e os riscos cobertos não como mera contrapartida de contribuição individual, mas como obrigações assumidas pela seguridade pública, enquanto instrumento de política social.
Estudos sobre a análise do orçamento da seguridade social, anualmente divulgados pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), revelam que a receita vem superando em todos os anos as despesas, saldos estes que podem ampliar as ações de todo o sistema de seguridade social.
Estudos sobre a análise do orçamento da seguridade social, anualmente divulgados pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), revelam que a receita vem superando em todos os anos as despesas, saldos estes que podem ampliar as ações de todo o sistema de seguridade social. Somente em 2011 foram R$ 77,1 bilhões de superávit (ANFIP, Análise da Seguridade Social 2011 – disponível em www.anfip.org.br).
Mesmo que falemos somente da Previdência Social, um eixo da seguridade, a contribuição da área urbana é superavitária, alcançando a cifra de R$ 41 bilhões em 2011 e R$ 14 bilhões, de janeiro a agosto de 2012.
A análise das ações da seguridade social é muito importante para a compreensão do papel dos principais programas da construção do mercado interno brasileiro na mobilidade social determinada pela redução brutal da miséria e pelo aumento significativo dos setores da classe média.
Recursos da seguridade social são alocados para outros fins, que não se resumem à Desvinculação das Receitas da União (DRU), instrumento que retira de sua receita vultosa quantia que deveria fazer parte de seu orçamento, embora com respaldo constitucional. Some-se a isto as diversas renúncias praticadas, com impacto direto nas receitas, o que ainda vai se agravar em função das recentes desonerações sobre a folha de salários – Leis 12.456 e 12.715 e Medida Provisória 582, todas de 2012. Ainda assim, as ações do sistema de seguridade social contemplam quase a demanda, prestando-se ainda a fazer face ao enfrentamento da crise.
Assim, constata-se que o processo constituinte produziu grandes avanços no campo social. Mas é imprescindível que este processo seja mais transparente, principalmente quanto à segregação dos orçamentos fiscal e da seguridade social, permitindo que a sociedade analise com mais detalhes os fluxos financeiros e de programações de despesas entre estes orçamentos.
Difundir o discurso sobre o déficit previdenciário é fundamental para os que querem legitimar as reformas destinadas a suprimir direitos e a ampliar requisitos para aquisição de benefícios. Para os defensores dos interesses do capital financeiro, é sempre necessário reafirmar que o Estado gasta muito, não com a dívida, é claro, mas com serviços públicos, com servidores ativos e aposentados e com os direitos garantidores da cidadania.
Nesse contexto, a reforma da Previdência tornou-se uma questão recorrente e, portanto, considerada a salvação da pátria para alguns, independentemente dos sacrifícios necessários a determinada classe de trabalhadores, mesmo que seja a parcela do menor poder aquisitivo.
Essa linha discursiva sobre a Previdência Social omite que a Constituição Federal, ao definir o orçamento da seguridade, estabelece uma pluralidade de fontes para arcar com o conjunto dos gastos com saúde, previdência e assistência social.
Os opositores do sistema estatal da seguridade social apontam para a insolvência ou ainda a ineficiência do sistema, questão até agora não comprovada, pois, pelo contrário, sempre houve equilíbrio financeiro no sistema.
E aí entram os argumentos de natureza fiscal. Para estes não há solidariedade e cooperação, princípio que fundamenta a Previdência Social. O motor da sociedade, para eles, é a competição predatória e selvagem entre os cidadãos. Para garantir o interesse do capital financeiro e, ao mesmo tempo, convencer a sociedade a abrir mão do pouco que ainda usufrui, alimentam o discurso de que os serviços públicos prestados ao povo estão fora da realidade, os gastos são excessivos e, por isso, prejudicam o crescimento econômico e o desenvolvimento de todos.
Nada é dito sobre os gastos financeiros, que são tomados enquanto fato natural, como se não resultassem de decisão política e não pudessem ser afastados. Se a nação brasileira anseia por um desenvolvimento social, crescimento econômico e cidadania, mais do que nunca precisa resgatar a seguridade nos termos gravados na Constituição Federal, como conjunto de ações para assegurar os direitos à saúde, à previdência e à assistência social.
Portanto, é necessário que todos tratem a seguridade social, e principalmente a Previdência pública, não como comércio, uma fábrica, um banco, que tem de apresentar lucro e superávit a cada exercício, qualquer que seja o sacrifício imposto aos trabalhadores e contribuintes, mas, sim, como um sistema de política social, solidária e equânime.

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