FONTE: CEBID - CENTRO DE ESTUDOS EM BIODIREITO. 07 de dezembro de 2012.
JULIANA VINES
DE SÃO PAULO
O
transtorno bipolar é progressivo e leva à perda da função de neurônios, segundo
novos estudos, liderados por pesquisadores brasileiros.
A
doença, caracterizada pela alternância entre depressão e euforia (mania, como os
médicos dizem), atinge 2,2% da população: são 4,2 milhões de brasileiros,
segundo estimativa da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Crises
bipolares não têm nada a ver com as mudanças de humor da pessoa "de lua", que
passa uma manhã agitada ou se irrita facilmente.
Um
episódio de mania pode durar dias ou semanas e levar a alteração do sono, perda
do senso crítico e comportamentos compulsivos como comprar demais ou consumir
álcool e drogas.
Como
tantos outros nomes de patologias, a expressão "bipolar" é usada fora do
contexto médico. "Há um entendimento errado da bipolaridade. É uma doença muito
grave, com uma série de sintomas. Mudar de humor rapidamente não faz o
diagnóstico", diz o psiquiatra Beny Lafer, coordenador do Programa de Transtorno
Bipolar do Hospital das Clínicas de São Paulo.
BANALIZAÇÃO
A
bipolaridade é a doença mental que mais mata por suicídio: cerca de 15% dos
doentes se matam. Os pacientes têm um risco 28 vezes maior de apresentar
comportamento suicida do que o resto da população e até metade dos doentes tenta
se matar, mostram levantamentos.
"A
expectativa de vida de homens bipolares é 13 anos menor e de mulheres bipolares
é 12 anos menor do que a da população em geral, segundo um estudo dinamarquês. A
expectativa de vida do bipolar é comparável à do esquizofrênico", diz o
psiquiatra Fábio Gomes de Matos e Souza, professor e também pesquisador da
Universidade Federal do Ceará.
Considerando
a gravidade, os médicos todos criticam a popularização do termo.
"É
banalizar a doença. Estar triste é uma coisa, estar deprimido e não conseguir
sair de casa é outra", diz a psiquiatra Ângela Scippa, presidente da Associação
Brasileira de Transtorno Bipolar.
De
acordo com as últimas descobertas científicas, as crises de euforia e depressão
são tóxicas ao cérebro.
ENXURRADA
NO CÉREBRO
O
grupo do psiquiatra Flávio Kapczinski, da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, é referência na área e publicou artigos em novembro e dezembro nas revistas
"Translational Psychiatry" e "Current Psychiatry Reports".
"Assim
como o organismo do diabético sofre com os picos de glicemia, o cérebro de quem
tem transtorno bipolar não controlado sofre com o excesso de
neurotransmissores", diz Kapczinski.
As
crises são acompanhadas da descarga de substâncias como dopamina e glutamato. Na
tentativa de controlar o incêndio, o organismo manda para a região células
protetoras. "Essas células produzem inflamação, causando a perda de conexões
entre neurônios. São os achados mais recentes, nem estão publicados ainda",
adianta.
Após
cinco episódios do transtorno perde-se 10% do hipocampo, área responsável pela
memória, estima o psiquiatra Matos e Souza.
A
médio prazo, a doença fica mais grave e as crises, frequentes e fortes. O doente
responde cada vez menos à medicação. "Ele passa a ter problemas de memória,
planejamento e concentração, funções ligadas à parte frontal do cérebro", diz
Kapczinski.
DIAGNÓSTICO
Os
primeiros surtos de transtorno bipolar surgem como crises de depressão em 60%
dos casos, daí a dificuldade no diagnóstico. O transtorno aparece, em geral, até
os 25 anos.
Quando
a doença se manifesta como mania, os sintomas são confundidos com os de
esquizofrenia (megalomania, alucinações). "O diagnóstico leva até dez anos",
afirma Helena Calil, psiquiatra e professora da Unifesp.
A
dificuldade de determinar a doença é comum entre os transtornos mentais, lembra
Jair Soares, psiquiatra brasileiro e pesquisador na Universidade do Texas em
Houston (EUA).
Não
há um marcador biológico que possa ser medido em um teste. "Dependemos do
diagnóstico clínico, da descrição dos sintomas pelo paciente", completa
Soares.
A
avaliação clínica não consegue diferenciar uma depressão bipolar de outras. "O
tratamento com antidepressivo puro pode agravar a doença. É um risco. Às vezes,
só assim para descobrir", diz a psiquiatra Ângela Scippa.
Os
casos mais complexos envolvem crises de hipomania, uma mania leve que pode
aparecer como ciúme ou irritabilidade. Sentimentos normais que, no bipolar, são
exagerados e causam prejuízos à vida --essa é a fronteira entre normal e
patológico.
O
alerta deve vir quando a família se queixa de instabilidade: a pessoa mostra
alterações visíveis e fases de normalidade. Outros sinais são: histórico
familiar (80% dos casos são hereditários), alterações no sono e uso de álcool e
drogas (metade dos bipolares é dependente).
HIPOMANIA
LEVE
Antes,
o transtorno bipolar era conhecido como psicose maníaco-depressiva e incluía
casos mais graves. Agora, se discute se pessoas com depressão e hipomania leve
(irritadas, ciumentas demais) devem ser tratadas como bipolares --metade dos que
sofrem de depressão se enquadra no perfil. Ou seja, 10% da população.
"Já
há evidências científicas para isso", defende o psiquiatra Teng Chei Tung, do
Hospital das Clínicas da USP.
Para
Soares, se a caracterização for expandida demais, corre o risco de abarcar gente
que não se beneficiará com o tratamento. "Será que vamos tratar pacientes que,
em vez de melhorar, vão piorar?", diz.
A
psicoterapia aumenta a adesão ao tratamento com remédios e ajuda a pessoa a
conhecer os gatilhos das crises. "É importante, mas complementar", diz Leandro
Malloy-Diniz, psicólogo e presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia.
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